18.10.12

O ar grave e sério


Escapou-se me a cadeira de introdução ao sisudo.
Ontem percorri três ou quatro canais dos mais aborrecidos. Discutia-se, claro, economia e finanças e tal. A fanfarronice actual dos pavões quase especialistas em porcaria nenhuma. 
É fascinante o semblante semicerrado e sobranceiro do "analista" que mistura traços de cartomante que há muito previu o que agora diz com o tom de ralhete paternal que antecede uma chinelada.
O que este grupelho de zotes vai dizendo caberia perfeitamente nas costas de um maço de cigarros - já deixando espaço para os alertas à impotência e à redução do apetite. A forma hábil de parafrasear banalidades e evidências, aliadas aquele excepcional tom de voz de caixa multibanco, faz parecer que não fossem estas gambiarras do conhecimento e estaríamos todos na sarjeta escura dos ignorantes expostos às formas mais graves da sodomia do além.
Mas o melhor de tudo é o ar grave e sério destes suricatas. Ninguém gosta do pateta alegre que exibe a epiglote. Mas estes tipos nem pestanejam! Conseguem suster impecavelmente todo o movimento do rosto.
Comecei por dizer que não tive formação na área e portanto desconheço as técnicas para a façanha, mas se estes gajos podem falar do que não percebem eu também posso. E tenho duas ou três teorias para isto: 
1- Dizem que quando nos dói uma parte do corpo se provocarmos dor noutra parte do corpo esquecemos a primeira. Aplicando o mesmo princípio, é possível que esta malta esteja a fazer isso. Haja imaginação para isto, mas uma mola da roupa ou um objecto contundente aplicado numa zona distante da rosto pode perfeitamente causar este efeito. Ou seja, é perfeitamente possível que o comentador do programa de ontem tivesse forrado a sua roupa interior com lixa de polir. E é claro que nem pestanejava, qualquer movimento que fizesse arrancava-lhe partes do que ainda não vendeu.
2 - Há sempre a possibilidade de terem praticado à exaustão a imobilidade facial, aplicando-a em todas os momentos do seu quotidiano. É claro que esta técnica há-de ter-lhes causado alguns momentos bizarros, mas tudo tem o seu preço. Manter o olhar supositório enquanto uma moça assanhada os assediava fogosamente não será apelativo. Mas é estúpido estar a levantar hipóteses meramente académicas. Moça assanhada e olhar supositório só existem se juntarmos mais elementos, como o álcool, e aposto que estes tipos não bebem, limitam-se a coleccionar garrafas para aplicar a técnica referida em 1.
3 - Não deixa de existir uma certa similitude entre o tal semblante e aquele que fazemos quando sentimos desagrado ou  incómodo. Isto para dizer que não podemos deixar de considerar a hipótese de estes senhores esfregarem fezes no bigode. E isso também explicaria as suas opiniões. Afinal de contas inalando pelo nariz é perfeitamente normal que lhes saia pela boca.

Miguel B


14.10.12

Sinto que pari um filho. Um filho raquítico e feio - à semelhança dos progenitores.
Do outro pai ainda nem vê-lo, esteve ausente no parto. Espero que em trabalho, numa das suas palestras da morcela. Há-de comparecer.

Afinal que filho é este?
Sentindo que fervilhava em nós uma impetuosa e descontrolava vontade de cumprir o nosso papel na sociedade, e contribuir de forma activa para o desenvolvimento cultural e cientifico da comunidade, tirei uma sesta esta tarde.
Logo depois, imbuído do mesmo espírito, enchi uma caneca de café e fumei um par de cigarros e embruteci a olhar para a avenida.
É portanto este o período de gestação do bicho. Satisfiz o tal ímpeto e vós enfartais de sabedoria.
O que encontrarão por estas bandas pode ser em tudo semelhante a todo o conhecimento chamuscado em Alexandria ou menos. E por isso fica o primeiro compromisso, tão verdadeiro e rigoroso quanto promessa eleitoral, conversa de engate, código deontológico, distância em passos de uma baliza à outra, correspondência entre voz de gaja óptima ao telefone e gaja óptima: contar-vos sempre tudo e que é bem mais do que julgam que sabem. Aliás, vocês sabiam que anda bicho no cebolo?

Miguel B